Pedro Páramo — O romance fantasma de Juan Rulfo que ecoa através do tempo
- Pedro Sucupira
- 2 de fev. de 2021
- 3 min de leitura
Atualizado: 22 de mai.
Pedro Páramo é um clássico incontornável da literatura latino-americana — e, paradoxalmente, o único romance de Carlos Juan Nepomuceno Pérez Rulfo Vizcaíno, mais conhecido como Juan Rulfo. Publicado em 1955, o livro se tornou uma obra seminal não apenas pela sua originalidade estrutural, mas pela densidade de seu conteúdo — existencial, histórico e simbólico. Uma leitura breve em páginas, mas imensamente longa em ecos.

A narrativa segue Juan Preciado, que, atendendo ao último desejo de sua mãe moribunda, parte rumo à cidade de Comala para encontrar o pai que nunca conheceu — Pedro Páramo. O que parecia ser o início de uma jornada pessoal transforma-se, rapidamente, em uma travessia espectral. Juan não encontra o pai — encontra vozes. Vultos. Lamentos. Mortos que ainda sussurram. Comala não é uma cidade, é um purgatório.
O livro tem apenas 122 páginas, mas não se engane: não é uma leitura simples. A narrativa começa com certa linearidade — o luto da mãe, a viagem, a chegada à cidade. Mas logo mergulhamos num tecido fragmentado de flashbacks, vozes fantasmagóricas e múltiplas perspectivas temporais, e a linearidade implode. Confesso que em alguns momentos precisei voltar páginas para me situar. E esse, talvez, seja o maior convite do livro: não para entender, mas para sentir. Comala não é um espaço geográfico; é uma metáfora viva da memória, da culpa, da terra condenada à espera de justiça.
E o que torna essa travessia tão poderosa são os diálogos carregados de densidade existencial. Em poucas falas, Rulfo condensa séculos de abandono, pobreza, resignação e desejo. Cito duas que me marcaram profundamente:
“Sei não, Juan Preciado. Fazia tantos anos que não erguia o rosto, que me esqueci do céu. E mesmo que eu tivesse erguido, o que haveria de ganhar? O céu está tão alto, e meus olhos tão sem olhar, que vivia contente só de saber onde ficava a terra.”
Essa fala ecoa como lamento coletivo. A dor que não busca redenção. O corpo que só existe para tocar o chão — e jamais o céu.
“A vida já é dura o bastante. A única coisa que faz com que a gente mova os pés é a esperança de que ao morrer nos levem de um lugar a outro; mas quando fecham para a gente uma porta e a que continua aberta é só a do inferno, mais valeria não ter nascido... O céu para mim, Juan Preciado, está aqui onde estou agora.”
Aqui, o inferno não está abaixo, mas ao redor. O céu é ausência. E a vida, uma travessia no deserto de vozes.
Apesar de exigir do leitor atenção redobrada e certa disposição para a confusão temporal, Pedro Páramo recompensa — com sobras. A linguagem é econômica, mas cheia de imagens potentes. Os personagens surgem como espectros, mas falam com uma intensidade visceral. E a cada página, o leitor se vê mais envolvido no entrelaçamento entre passado e presente, entre os vivos e os mortos, entre o México mítico e o México real.
Mais do que um romance, Pedro Páramo é uma experiência sensorial, quase ritualística. Um livro em que as palavras não apenas contam — ecoam. As vozes que Juan ouve em Comala não são só vozes do passado: são a nossa própria herança colonial, o eco de uma América Latina construída sobre dor, silêncio e ausência.
Talvez por isso a leitura pareça, em certos momentos, um esforço. Mas é o esforço de quem desenterra memória. De quem caminha entre mortos em busca de sentido. De quem compreende, com Rulfo, que há histórias que só podem ser contadas assim — em ruínas, em fragmentos, em murmúrios.
Um clássico incontestável, que não envelhece. Lê-se hoje, quase setenta anos depois, e ainda dói como se fosse ontem.
*******************************************************************************************
Se você chegou até aqui, muito obrigado pela companhia. Meu nome é Pedro Sucupira, sou professor, pesquisador em formação e um curioso incansável. Amo estudar, ler e, recentemente, descobri o prazer inescapável da escrita. Sou um explorador apaixonado por literatura, comportamento humano, sociedade e por tudo que toca os campos da ciência e da saúde.
Se este texto te interessou, aqui no blog você encontra outros escritos meus, entre resenhas, contos e reflexões.
No Instagram, você me encontra como @pedrosucupiraa.
No Skoob, como Pedro Sucupira, onde compartilho os livros que li, estou lendo e pretendo ler.
E no Lattes, é possível acessar minha produção acadêmica, incluindo artigos científicos, capítulos e livros publicados.
Se quiser conversar, trocar ideias, críticas, sugestões ou experiências, sinta-se à vontade para me escrever: pdrohfs@gmail.com.
Comments