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Pedro Páramo — O romance fantasma de Juan Rulfo que ecoa através do tempo

Atualizado: 22 de mai.

Pedro Páramo é um clássico incontornável da literatura latino-americana — e, paradoxalmente, o único romance de Carlos Juan Nepomuceno Pérez Rulfo Vizcaíno, mais conhecido como Juan Rulfo. Publicado em 1955, o livro se tornou uma obra seminal não apenas pela sua originalidade estrutural, mas pela densidade de seu conteúdo — existencial, histórico e simbólico. Uma leitura breve em páginas, mas imensamente longa em ecos.

Capa do livro Pedro Páramo, de Juan Rulfo, com paisagem desértica e portas abertas para céus nublados, simbolizando memória, ausência e travessia espiritual.

A narrativa segue Juan Preciado, que, atendendo ao último desejo de sua mãe moribunda, parte rumo à cidade de Comala para encontrar o pai que nunca conheceu — Pedro Páramo. O que parecia ser o início de uma jornada pessoal transforma-se, rapidamente, em uma travessia espectral. Juan não encontra o pai — encontra vozes. Vultos. Lamentos. Mortos que ainda sussurram. Comala não é uma cidade, é um purgatório.

O livro tem apenas 122 páginas, mas não se engane: não é uma leitura simples. A narrativa começa com certa linearidade — o luto da mãe, a viagem, a chegada à cidade. Mas logo mergulhamos num tecido fragmentado de flashbacks, vozes fantasmagóricas e múltiplas perspectivas temporais, e a linearidade implode. Confesso que em alguns momentos precisei voltar páginas para me situar. E esse, talvez, seja o maior convite do livro: não para entender, mas para sentir. Comala não é um espaço geográfico; é uma metáfora viva da memória, da culpa, da terra condenada à espera de justiça.

E o que torna essa travessia tão poderosa são os diálogos carregados de densidade existencial. Em poucas falas, Rulfo condensa séculos de abandono, pobreza, resignação e desejo. Cito duas que me marcaram profundamente:

“Sei não, Juan Preciado. Fazia tantos anos que não erguia o rosto, que me esqueci do céu. E mesmo que eu tivesse erguido, o que haveria de ganhar? O céu está tão alto, e meus olhos tão sem olhar, que vivia contente só de saber onde ficava a terra.”

Essa fala ecoa como lamento coletivo. A dor que não busca redenção. O corpo que só existe para tocar o chão — e jamais o céu.

“A vida já é dura o bastante. A única coisa que faz com que a gente mova os pés é a esperança de que ao morrer nos levem de um lugar a outro; mas quando fecham para a gente uma porta e a que continua aberta é só a do inferno, mais valeria não ter nascido... O céu para mim, Juan Preciado, está aqui onde estou agora.”

Aqui, o inferno não está abaixo, mas ao redor. O céu é ausência. E a vida, uma travessia no deserto de vozes.

Apesar de exigir do leitor atenção redobrada e certa disposição para a confusão temporal, Pedro Páramo recompensa — com sobras. A linguagem é econômica, mas cheia de imagens potentes. Os personagens surgem como espectros, mas falam com uma intensidade visceral. E a cada página, o leitor se vê mais envolvido no entrelaçamento entre passado e presente, entre os vivos e os mortos, entre o México mítico e o México real.

Mais do que um romance, Pedro Páramo é uma experiência sensorial, quase ritualística. Um livro em que as palavras não apenas contam — ecoam. As vozes que Juan ouve em Comala não são só vozes do passado: são a nossa própria herança colonial, o eco de uma América Latina construída sobre dor, silêncio e ausência.

Talvez por isso a leitura pareça, em certos momentos, um esforço. Mas é o esforço de quem desenterra memória. De quem caminha entre mortos em busca de sentido. De quem compreende, com Rulfo, que há histórias que só podem ser contadas assim — em ruínas, em fragmentos, em murmúrios.

Um clássico incontestável, que não envelhece. Lê-se hoje, quase setenta anos depois, e ainda dói como se fosse ontem.


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Se você chegou até aqui, muito obrigado pela companhia. Meu nome é Pedro Sucupira, sou professor, pesquisador em formação e um curioso incansável. Amo estudar, ler e, recentemente, descobri o prazer inescapável da escrita. Sou um explorador apaixonado por literatura, comportamento humano, sociedade e por tudo que toca os campos da ciência e da saúde.

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