Vermelho Amargo, Bartolomeu Campos de Queirós.
- Pedro Sucupira
- 25 de fev. de 2021
- 3 min de leitura
Atualizado: 2 de ago. de 2022
Vermelho Amargo é um dos livros de cunho autobiográfico do escritor mineiro, vencedor do prêmio Jabuti e de tantos outros prêmios literários, Bartolomeu Campos de Queirós. Narrado em primeira pessoa e escrito em forma de memórias, o protagonista, o caçula de cinco filhos, revisita sua infância. Uma infância marcada pela solidão. A ausência da mãe substituída por uma madrasta indiferente tomada de ciúmes pelo marido que serve em todas as refeições fatias de tomates. O pai alcoólatra negligente.
O livro é escrito em pequenos parágrafos memórias como se fosse uma espécie de contagem regressiva em que o narrador observa os irmãos um a um abandonando o lar e deixando-o mais imerso em solidão. Um livro que fala sobre ausência de afeto e saudade da mãe.
Poético e delicado em que o leitor tem que ir adivinhando a história em meio a tantas metáforas. Quase que um jogo de adivinhação. Uma metáfora mais maravilhosa que a outra. É o irmão que come vidro, a irmã que não se desapega das agulhas e do ponto cruz e a madrasta obcecada com a perfeição das fatias de tomate.
Algumas metáforas que me encantaram.
“Ela decapitava um tomate para cada refeição. Isso, depois de tomar do martelo e espancar, com a força dos seus músculos, os bifes. Sofrer amaciava, talvez ela pensasse. Batia forte tornando possível escutar o ruído na rua. O martelar violento avisava aos vizinhos que comeríamos carne no almoço. Eu padecia de medo do martelo e a violência da mulher ao açoitar a carne.”
“Os bifes eram finos – magros como eu – pelo amargor dos espancamentos. Ao depois de muita tortura, a carne se transfigurava em pedaços de rendas esgarçadas.”
“Eu vagava sobre o compasso do pecado. Tudo por escutar as frestas das janelas. Menino pecador sem remorso, eu suplicava perdão, sem fé, caminhando entre dúvidas. Não, não amava a Deus sobre todas as coisas. Amava meu amor mais que a mim mesmo. Outra vez embaraçava-me nos abraços. A felicidade destrancava um paladar ácido de culpa que só a alma degusta.”
“A madrasta montava a comida em cada prato. O arroz de um lado. O feijão ralo ficava ancorado no arroz, lembrando uma praia mansa com um mar negro, se ondas. Na extremidade do oceano, uma ilha feita de abóbora, chuchu ou quiabo, segundo sua escolha. Um fragmento de carne – renda bem engomada – segurava o arroz. A fatia de tomate entrava como um sol, sobre o arroz em neve, colorindo o seu império.”
“Ah! O tomate. Quanto espanto ele me suscitava. Sua presença anunciava meu exílio. Um dia, por certo, eu deveria ser deportado, mesmo sem cometer crime. Nunca supus que carregaria comigo – vida afora – a imagem do tomate maduro preso entre seus dedos. Mas não recusei, jamais, a fatia que me tocava. Minha mãe anunciava que para viver era preciso engolir sapos. Mesmo gosmentos, ásperos, enrugados, é necessário deixá-los deslizar garganta abaixo, sem lastimar. Não há semelhança aparente entre o sapo e o tomate. Um vive, o outro vegeta.”

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Para quem chegou até aqui, eu me chamo Pedro Sucupira e sou um professor pesquisador em formação e curioso de um tanto que você não faz ideia. Amo estudar, não é atoa que não aguentei somente fazer o doutorado e já ingressei no curso de filosofia. Sou um descobridor, apaixonado por literatura, comportamento humano, sociedade e tudo o que envolve ciência.
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