Alice no País das Maravilhas — Um mergulho filosófico no nonsense de Lewis Carroll
- Pedro Sucupira
- 5 de fev. de 2021
- 3 min de leitura
Atualizado: 22 de mai.
Acredito que muitos conheçam a história de Alice, mas poucos, de fato, a leram. Essa frase, tão simples quanto verdadeira, resume o paradoxo de Alice no País das Maravilhas: é um dos contos mais conhecidos do mundo, mas também um dos mais mal compreendidos. Publicado originalmente em 1865 (e não 1866, como muitas edições trazem), o livro foi escrito por Charles Lutwidge Dodgson, sob o célebre pseudônimo Lewis Carroll, e até hoje fascina leitores com sua mistura de nonsense e profundidade simbólica.

Tal como muitos, meu primeiro contato com Alice foi pelas adaptações cinematográficas — a clássica animação de 1951, dos estúdios Disney, e, anos mais tarde, a versão sombria e estilizada de Tim Burton, em 2010. Por já conhecer o enredo central, não iniciei a leitura com grandes expectativas. Pensava que não haveria nada de novo. Mas me enganei.
Há partes da história que jamais foram adaptadas para o cinema, e só a leitura revela. Cenas inteiras, diálogos e principalmente os poemas nonsense, cheios de duplos sentidos e jogos de linguagem, revelam um nível de complexidade e inventividade que vai muito além da versão popularizada. São momentos que, à primeira vista, podem parecer meras excentricidades, mas que, lidos com atenção, revelam questionamentos filosóficos, lógicos, psicológicos e até sociais.
Lembro quando ganhei o livro de uma grande amiga. Veio com um bilhete afetuoso e um conselho precioso:
– Leia devagar. Saboreie cada diálogo.
E eu reforço esse conselho a quem me lê agora. Alice no País das Maravilhas não é um livro para se correr. Cada cena, cada frase, cada absurdo tem um motivo para estar ali. Às vezes a lição é clara; outras vezes, escapa pelas bordas da linguagem, se esconde atrás do humor ou da aparente falta de sentido. É uma leitura que exige escuta atenta e entrega. E recompensa com camadas.
Embora seja frequentemente categorizado como literatura infantil, trata-se de uma obra profundamente ambígua e filosófica. Sim, há o encanto lúdico das criaturas falantes, dos cenários surreais, dos jogos de lógica invertida. Mas por trás da estética onírica, esconde-se uma crítica ácida à rigidez da educação vitoriana, aos valores da lógica cartesiana e até às normas de conduta social. É um livro sobre transformação, identidade, linguagem, poder e absurdo.
Personagens como o Gato de Cheshire, a Lagarta, a Rainha de Copas e o Chapeleiro Maluco não são apenas excêntricos: são arquétipos que encarnam dúvidas existenciais e dilemas de linguagem. Os diálogos beiram o irracional, mas expõem, com sutileza, o quanto a razão pode também ser absurda. O que está em jogo, muitas vezes, é a fragilidade dos significados.
Além disso, Alice no País das Maravilhas toca em algo muito profundo: a crise de identidade da infância em transição. Alice cresce e encolhe constantemente — não apenas em tamanho, mas em percepção. A narrativa espelha o confuso amadurecimento que todos enfrentamos ao tentar compreender um mundo que parece, por vezes, sem sentido.
Por isso, Alice não é só um livro para crianças — é um espelho para adultos que ousam se perguntar: "quem sou eu?"; "por que as coisas funcionam assim?"; "e se tudo isso for apenas um jogo de palavras?"
No fim, Alice no País das Maravilhas é um convite à desorientação criativa. Um passeio pelo ilógico que revela as contradições da lógica. Uma descida à toca do coelho que nos devolve ao mundo real com novos olhos — talvez não mais certos, mas seguramente mais questionadores.
Seja como for, ler Alice é mais do que revisitar uma história conhecida. É confrontar o estranho no familiar, e o familiar no estranho. E isso, sem dúvida, é o que a boa literatura faz.
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Se você chegou até aqui, muito obrigado pela companhia. Meu nome é Pedro Sucupira, sou professor, pesquisador em formação e um curioso incansável. Amo estudar, ler e, recentemente, descobri o prazer inescapável da escrita. Sou um explorador apaixonado por literatura, comportamento humano, sociedade e por tudo que toca os campos da ciência e da saúde.
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