Torto Arado, Itamar Vieira Junior
- Pedro Sucupira
- 16 de mar. de 2021
- 3 min de leitura
Atualizado: 16 de out. de 2023
Torto Arado, escrito pelo baiano Itamar Vieira Junior, é um daqueles livros que aquece o nosso coração, reaviva em nós o orgulho de ser brasileiro. Um livro que me fez sentir representado tanto pela obra em si quanto pela história de vida do autor. Não só entrou para minha lista de favoritos como também para minha lista de livros que “todos devem ler”.
Com uma linguagem clara, objetiva e de uma elegância regional poética sem igual, Torto Arado retrata a história das protagonistas Belonísia e Bibiana; duas irmãs que, juntamente com a família e muitas outras famílias, residem e “trabalham” na fazenda Água Negra. O que eu chamo de trabalho é simplesmente para fácil entendimento, sendo na realidade uma situação de trabalho análoga a escravidão em que os moradores de Água Negra, sem o poder da liberdade de escolha, se submetem para sobrevierem.
É em meio a esse contexto que a história se desenvolve. Capítulos curtos narrados em primeira pessoa contam a história de vida desses personagens nas profundezas do sertão baiano.
Um acidente que ocorre com as irmãs, descrito logo nas primeiras páginas, gera um pico de adrenalina, emoção e curiosidade pelo que ainda está por vir que se mantem durante toda a obra. A rotina extenuante no campo, sofrida, de agricultores da terra alheia. As tradições religiosas afro-brasileiras. As festas de Jarê – candomblé de caboclo. Os conhecimentos diplomáticos, medicinais, botânicos e espirituais do curandeiro Zeca Chapéu Grande, pai de Bibiana e Belonísia. Sula, que além de trabalhadora rural, é mãe, parteira e esposa. Miúda e seu enigma de Santa Rita Pescadeira. Severo, o revolucionário. Os eventos familiares e pessoais desses e de tantos outros personagens compõem a trama de Torto Arado culminando em um desfecho inesperado e surpreendente.
Em momento algum eu me senti entediado ou com a sensação de que a leitura era arrastada. Nada presente nessa obra pode ser considerado irrelevante; cada parágrafo, cada capítulo, cada frase é essencial e ocupa perfeitamente seu lugar na trama.
Uma ficção que vai muito além da relação fraterna entre Bibiana e Belonísia. A meu ver, a vida retratada na fazenda Água Negra é uma representação fiel da situação atual que o Brasil se encontra no sistema capitalista. Em relação às economias mundiais dominantes, como periferia do capitalismo, o Brasil é uma grande fazenda onde os proprietários (elites) não habitam e só visitam de tempos em tempos. Os verdadeiros donos da terra, aqueles que cultivam e moram nela por gerações, além de produzir o que será vendido como mercadoria recebendo migalhas em troca, veem parte da sua produção pessoal tomada pelo capataz.
Um sentimento de injustiça e impotência que nos acompanha durante toda a leitura e que nos leva a questionar e repensar nossa própria realidade.
Torto Arado é um oásis em meio ao deserto político, escassez de representação, que vivemos. Uma história que nos mostra que a união dos oprimidos suplanta, em inteligência e força, os opressores.
“Belonísia era a fúria que havia cruzado o tempo. Era filha da GENTE FORTE que atravessou um oceano, que foi separada de sua terra, que deixou para trás sonhos e forjou no desterro uma vida nova e iluminada. Gente que atravessou tudo, suportando a crueldade que lhes foi imposta. [...] Sobre a terra há de viver sempre o mais FORTE.”

*******************************************************************************************
Para quem chegou até aqui, eu me chamo Pedro Sucupira e sou um professor pesquisador em formação e curioso de um tanto que você não faz ideia. Amo estudar, não é atoa que não aguentei somente fazer o doutorado e já ingressei no curso de filosofia. Sou um descobridor, apaixonado por literatura, comportamento humano, sociedade e tudo o que envolve ciência.
Se você se interessou por esse artigo, aqui, no meu blog, você encontra mais textos meus (resenhas, contos e artigos). No Instagram você me encontra como @pedrosucupiraa. No Skoob como Pedro Sucupira, lá você pode acompanhar todos os livros que já li e tenho lido. No Lattes você consegue ver todos os artigos científicos que já publiquei.
E caso queria conversar comigo, compartilhar ideias, experiências e críticas, basta me chamar no pdrohfs@gmail.com.
Comentários