Entre o Futuro e o Presente: Crônicas de um Tempo Pandêmico
- Pedro Sucupira
- 1 de fev.
- 4 min de leitura
Atualizado: 29 de mai.
Pensávamos: que digo?
Ainda pensamos, mesmo enquanto o mundo ruge ao nosso redor com febre e delírio, sobre como será o tempo depois que a peste for domada. Sonhamos, como sonharam nossos antepassados quando as cidades eram dizimadas por pestes bubônicas e guerras carmesim, com um tempo vindouro de ordem e redenção. Um mundo onde, quem sabe, os abraços sejam tão comuns quanto o pão, e o home office não seja uma prisão disfarçada de liberdade.
Falam, e falam muito, sobre o mundo pós-pandemia. Idealizam-no como se fosse um paraíso perdido que ainda não existiu. Perguntam-se: as relações humanas mudarão? Haverá uma nova valorização do toque, do olhar, do encontro? E o celular, esse pequeno demônio de luz fria, será relegado ao esquecimento durante as refeições em família? Ou continuaremos a adorá-lo como se fosse um ídolo moderno, sedento por nossos toques e olhares?
Esses pensamentos — caro leitor — não são apenas fruto da reflexão, são também sintomas. Sim, sintomas de uma ansiedade coletiva que, se pudesse ser medida, já teria ultrapassado todos os termômetros conhecidos. Sonhamos o futuro porque tememos o presente. Desejamos a cura, não tanto do corpo, mas do incômodo silêncio que este tempo nos impõe.
Permita-me, pois, trazer à baila um assunto talvez mais incômodo que agradável: o AQUI e o AGORA. Sim, esse tempo estranho em que o relógio parece oscilar entre a estagnação e a vertigem. Observamos o tempo passar como quem assiste a uma procissão de fantasmas, cada dia, um vulto, um sussurro, uma ausência. E, paradoxalmente, nada fazemos, exceto falar, muito, sobre o que faremos quando tudo isso passar.
É curioso, e aqui me permito uma breve digressão, como somos afeitos a desdenhar o presente. Reclamamos de 2020, como se um número tivesse o poder de arruinar vidas. “Joguem fora o ano”, dizem. “Apaguem-no dos livros”, insistem. Não se dão conta de que o tempo, esse velho malandro, não se deixa apagar. Ele é, como diria o diabo, o único sócio fiel da existência.
E aqui lhe faço uma pergunta incômoda: que fizeste tu, durante este tempo de reclusão? Aprendeste algo? Mudaste algo? Ou apenas olhaste o teto, dia após dia, esperando que o mundo, como num passe de mágica, se curasse de si mesmo? Pois te digo: o tempo não espera por ti. E o pior dos sofrimentos é o arrependimento por um tempo mal vivido.
Já vislumbramos, ainda que pela fresta de uma porta entreaberta, a vastidão sombria deste novo mundo. Sabemos que a pandemia pode cessar, ou não. A única certeza que temos, meu caro, é a certeza da incerteza. E, com ela, deveria vir a sabedoria de agir hoje, para que, ao olharmos para trás, não sejamos consumidos pelo vazio.
Convido-o, pois, a olhar pela janela. O mundo lá fora, esteja ele envolto em caos ou sob uma calma enganosa, ainda está lá, respirando como um velho moribundo que se recusa a morrer. Pergunte-se: que posso fazer agora, para ser melhor? Para me tornar, pouco a pouco, aquilo que sonho ser no depois, mas vivendo o agora?
A pandemia, como personagem trágica de um romance de García Márquez, trouxe à luz fantasmas antigos: a desigualdade, a ignorância mascarada de sabedoria, a ganância que se alimenta da dor alheia. Tudo isso estava entre nós, apenas disfarçado. Agora, sob a luz crua da crise, vemos os monstros com clareza, e, também, nossa própria sombra refletida neles.
Este texto não pretende ser um sermão motivacional. Que a Deusa me livre de ser tomado por esses coachs de emoções, que pregam um positivismo histérico enquanto o mundo arde. Como bem escreveu Susan David, a tirania da positividade nos impede de sentir, interpretar e enfrentar as emoções como elas são: cruas, imperfeitas, humanas.
Quero apenas que você — sim, você — compreenda a gravidade poética e terrível do momento histórico que nos foi dado. Que assuma a sua parte nesta história, pois mesmo o menor dos papéis tem valor no grande teatro do tempo. E, quando as cortinas enfim caírem, que não sejamos apenas espectadores apáticos, mas atores conscientes de sua passagem efêmera por este palco chamado humanidade.

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Se você chegou até aqui, muito obrigado pela companhia. Meu nome é Pedro Sucupira, sou professor, pesquisador em formação e um curioso incansável. Amo estudar, ler e, recentemente, descobri o prazer inescapável da escrita. Sou um explorador apaixonado por literatura, comportamento humano, sociedade e por tudo que toca os campos da ciência e da saúde.
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Fonte foto de capa unsplash.com - Tempo Pandêmico
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